Anatomia de um Cardador
Muitos bons dias!
Já estamos em plena época de Carnaval e, por isso, vamos falar de uma figura ímpar do folclore ílhavense que não pode faltar nesta época de tanta animação!
Sim, isso mesmo: falo dos CARDADORES DE VALE D'ÍLHAVO!!
Os Cardadores devem o seu nome às cardas: placas de madeira com agulhas que retiram as impurezas da lã e ajudam a transformar este produto animal em fios que são depois usados na produção têxtil.
Das suas origens só se sabe que remontam a tempos ancestrais, sendo um elemento fulcral do Carnaval de Vale de Ílhavo! (No entanto é dito que a tradição foi trazida por migrantes brasileiros nos finais do século XIX e inícios do século XX e que os trajes lembram os índios)
Durante o corso carnavalesco, os Cardadores percorrem as ruas de Vale de Ílhavo "a roncar, a saltar e a cardar"! Mas não se preocupem as cardas tradicionais (aquelas com agulhas), foram substituídas por tábuas de madeira lisa - de modo a não lesionar nenhum folião!
Os Cardadores são constituídos por um número variável de homens solteiros, naturais de Vale de Ílhavo, que durante o Carnaval "cardam" as raparigas dizendo o seguinte dito:
"Ai tanta lã! Ai tanta lã!"
Dita a tradição que cada Cardador faça a sua própria Máscara e vestimenta, sendo que a Máscara é realizada com:
- Cortiça pintada de vermelho para os Olhos
- Panos vermelhos para o formato do Nariz
- Pelo de rabo de boi para o Bigode
- Penas de galinha (ou outra ave) para os Penachos
- Paródias (nome das fitas de papel coloridas, curtas e estreitas) presas atrás da máscara.
- (No dia festa perfumam a Máscara com TABU)!
Já as vestimentas são feitas com:
- Pele de carneiro, que recobre a rosto
- Roupa interior feminina (da namorada ou de uma rapariga amiga)
- Meias até ao joelho
- Lenço de Tricana
- Chocalhos agarrados à cintura
- Fitas largas e compridas do mesmo tecido que as paródias, cozidas nas costas.
Este grupo de rapazes é liderado pelo solteiro que está à mais tempo no grupo, distinguindo-se dos demais por apresentar paródias mais vistosas e de maior volume, chocalhos maiores e ainda um apito (considerado símbolo da liderança - com vista a reunir todos os Cardadores).
Estas figuras tão particulares de Vale de Ílhavo aliam a desobediência ao secretismo, onde geralmente cada elemento está proibido de se identificar (rara excepções)!
Houve tempos que para saírem à rua, precisavam de licença e eram perseguidos por atentado à moral pública, pois "deixavam a descoberto partes íntimas e [...] se compraziam apalpando os seios e as coxas das raparigas, além de rasgarem com as cardas as meias às mulheres" (Aida Viegas). Mas isto eram outros tempos...
Hoje em dia, o Carnaval de Vale de Ílhavo poderia ser somente mais um carnaval por esse país fora, mas é graças a estes "demónios provocadores" (como lhes chamou Aida Viegas) que este Carnaval é tão bom e tão nosso (E DELES, principalmente deles)!
João A. Silva
Referências